A Raiz da Corrupção

Hoje não há dia em que a imprensa não fale em corrupção. Há corrupção para todos os gostos. É lavagem de dinheiro, são as grandes corrupções das obras públicas, a corrupção nas autarquias, as pequenas corrupções, quer no setor público, quer no setor privado. É a corrupção desportiva, empresarial e política. É corrupção em todos os tamanhos, cores e feitios.

O engraçado da corrupção é que são sempre os outros. Nunca, ou muito raramente, quem fala de corrupção assume que também ele já pode ter caído em tentação.

Mas para sabermos qual é a raiz da corrupção, temos que começar por defini-la. Afinal o que é corrupção? Uma definição resumida poderia ser: é a utilização de recursos que estamos mandatados para gerir, mas que não nos pertencem, para obter ganhos pessoais.

É ainda necessário dizer que normalmente a prática da corrupção tem quase sempre dois agentes, o corruptor e o corrompido. A discussão de qual dos dois é melhor é fútil. Até porque muitas vezes o corrompido é o agente ativo, oferecendo a oportunidade. Outras vezes é o corruptor que vê a oportunidade e avança.

Mas voltemos à raiz da corrupção. É fácil entendermos que os princípios éticos tentam criar um contexto pacífico, justo e de igualdade de oportunidades. Estes princípios éticos foram elaborados após a experiência de períodos de grande anarquia e corrupção vividos pela humanidade.

Mas estes códigos éticos têm um pressuposto histórico. Só apareceram quando, nós humanos, deixamos de ser caçadores e coletores e nos sedentarizamos. É com a sedentarização que se define a propriedade privada. E é com a sedentarização que formamos comunidades maiores do que na forma de vida anterior. Ao nos fixarmos num espaço delimitado tornou-se necessário gerir duas realidades que anteriormente não existiam, a coisa pública e a coisa privada.

Quando éramos caçadores coletores não havia nem coisa pública e nem coisa privada. Os grupos humanos eram relativamente pequenos, constituídos por todos os tipos de pessoas, crianças, adolescentes, adultos e velhos. Andavam em grupo a caçar e a colher alimentos. Moviam-se devagar dentro de uma área conhecida. Não havia um líder. Havia vários. Havia o líder da caça. Havia o líder dos instrumentos de caça, o da coleta de frutos, etc. Isto é, a liderança era de conhecimento sobre determinado tema e a moeda de troca era o que cada um contribuía com o seu conhecimento para o equilíbrio e o bem-estar do grupo.

Éramos portanto uma miríade de pequenas sociedades coletivas que nem sequer possuíam bens. Portanto não havia corrupção, porque não havia a coisa pública nem ninguém possuía nada individualmente, a não ser o seu conhecimento sobre determinada necessidade e que era utilizado para suprir as necessidades individuais e coletivas. Ou seja, não havia as sementes que fazem florescer as árvores da corrupção.

Com o processo de sedentarização veio a agricultura e tudo isto mudou. A agricultura, por si só, necessita de um espaço delimitado. Aparecem assim os primeiros sentimentos de propriedade. O pedaço de terra em que alguém se esforça para produzir os alimentos que come. Surge então o sentimento de ser o dono daquele pedaço de terra e da produção conseguida com o seu próprio esforço. Começa assim o individualismo.

Com a sedentarização apareceram então novas necessidades jurídicas. A primeira e mais importante foi definir a propriedade. Depois os grupos transformaram-se em tribos e aumentaram de tamanho. Iniciaram-se as disputas por propriedade e por justiça nas trocas. Os que sabiam fazer instrumentos e não sabiam plantar, colher ou criar animais, tinham que trocar o que produziam por alimentos. Aos poucos a sociedade foi-se especializando e era necessário resolver as disputas. Surgiram os chefes, que foram a primeira forma de governo, e que resolviam as disputas.

Chegamos então ao ponto. A raiz da corrupção é a coisa pública. Sendo mais preciso, é a coisa coletiva, que pode ou não ser pública. Uma empresa é uma coisa coletiva, que tem um governo e não é pública. Estamos então na situação em que há pessoas que, por algum meio, têm o poder de gerir, mas não têm a propriedade. É neste momento que surge a oportunidade da corrupção, pois:

  • Alguém com poder mas sem a propriedade, pode utilizar esse poder para obter vantagens a seu favor.

E é sempre nestas condições que surge a corrupção. Por exemplo, um alto funcionário, quer seja deputado, governante, autarca, administrador de empresa cotada na bolsa ou de empresa estatal terá sempre, durante o seu mandato, a oportunidade de exercer o poder e beneficiar desse exercício para obter vantagens pessoais ilícitas. Um agente de autoridade, seja polícia, fiscal ou árbitro desportivo está numa posição em que pode exercer o seu poder em troca de vantagens pessoais.

Como é fácil de perceber, não haverá lei nem policiamento capaz de escrutinar todas as possíveis oportunidades de geração de atos corruptos. A solução não passa por mais leis, nem por mais supervisão, nem por mais polícia. A solução passa por facilitar o entendimento a todos os cidadãos, se há ou não corrupção em determinado atuação ou momento de gestão ou governação. Isto é, haver transparência.

O que estou a dizer é que a legislação complexa e confusa funciona como um acelerador, como adubo da corrupção, pois para se entender que há algo errado, é necessário ter conhecimento muito detalhado da lei, o que somente alguns terão. E não é segredo para ninguém que em Portugal o quadro legal é complexo e confuso. Aliás, até proponho que alguém faça um estudo em que correlacione a complexidade do quadro legal com os níveis de corrupção de cada país. Desconfio que vou ter razão.

Mas então se a solução não são mais leis e mais polícia, qual é então? É haver transparência. E a transparência não se faz com mais leis. Faz-se com menos. Quanto mais fácil for para o cidadão comum perceber as regras do jogo, mais transparência haverá, já que será mais fácil para qualquer pessoa escrutinar o sistema. Para ser mais fácil entender o sistema as leis tem que ser poucas, simples e fáceis de entender.

Sim sei que primamos por ter toneladas de leis e que muitas vezes há leis conflituantes. Sim sei que há códigos e leis, para tudo e para nada. Sim sei que a cada vez que há um problema os nossos legisladores entendem que resolver o problema é criarem logo mais leis para o caso específico, o que nos leva à situação atual. Sim sei que estou a pedir o impossível face à nossa tradição legislativa e comportamental.

Mas ter a ambição de contribuir para uma sociedade melhor, por enquanto, ainda não é crime. Certo, certo é que nunca será um ato de corrupção!

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How #Dell Misleads Customers

On May 9, 2011 I bought a Dell Streak 5 at FNAC Online, in Portugal. It’s not a popular device in Portugal. It’s a 5″ inch hybrid Android-based tablet and phone, as shown in the image below:

Dell Mini 5 Streak
Image taken from http://ucphone.blogspot.pt/2011/01/dell-streak-mini-5.html

There were several factors that made me choose this unit. One of the most important is its size, 5 inches. This is a large phone and a small tablet. For me, the large screen was key. As I have some difficulty in seeing up close, a 5-inch screen was a relief. So,  after four years, I left behind my Nokia E71, still working beautifully, and kept it as a backup phone. Which was good thinking, because now I’m back using the E71.

The story of the problem with Dell begins on May 8, 2012. Up until then  I had no problems with the device. I used it every day as a phone, to check email and read news. It was perfect as a tool in my daily mobile life. Then, on May 7, I got a call from my mother and it was impossible to hear anything she said. I put on the headset, but that was no better. Finally I turned on the speakerphone and was  able to hear the conversation. Before I switched on the speakerphone, my mother had been able to hear me, but I could hear nothing.

Since the phone was still under warranty (in Portugal every device has a 2-year warranty) I called FNAC Online. They told me to go to a FNAC shop to fix the problem.

So I did that. On May 8 I went to FNAC Chiado (Lisbon) and handed in the phone. I took the box and all accessories. FNAC examined  all the equipment but kept only the body of the phone, not taking  the cover, the micro-sd card or the battery. They told me that this was the standard procedure.

On May 29 I received I receive an SMS from FNAC saying “Repair No. 220512 is ready for pickup. Without repair.  Economically unviable …. ”

Upon receiving this message I thought “What? The device works. The defect is only the in-
ear speaker and headphone connector. Why don’t they fix it?” And so I went to see
what happened. Imagine my surprise when I received the Dell’s diagnosis:

They said my phone has moisture and therefore the warranty is void. I felt cheated. I don’t even take my phone into  the bathroom! And still they tell me that is moist – only if it’s the natural humidity of Lisbon! And they send the photo below to show the active humidity sensors:

I refused to accept the phone. I returned it saying I did not accept this diagnosis, and that the sensors must have been  activated during transport or within  Dell’s facilities, as I am very careful with moisture. FNAC returned the equipment to Dell, and we’ll see what happens.

However, because I did not take any pictures of the phone before turning it in (I never thought it would be necessary), I went to the internet to get pictures and videos of the inside of the Dell Streak 5, and what I discovered is that the sensors are identical to mine:

It is easy to see in the two photos above that the lower humidity sensor, which is underneath the battery and therefore is most exposed,  are exactly alike. This sensor can be seen without any tool. Just open the back cover and remove the battery. It is much more exposed to the weather than the second, above, which can only be seen if the phone is disassembled and therefore can be manipulated by those who refuse to honor the warranty.

Apparently in the picture it is that sensor that is activated. The one that is more difficult to access and therefore less subject to climatic factors. It is also the one that we consumers cannot control and therefore easier to manipulate by those who refuse to comply with a warranty.

My question is: how is it that the more exposed sensor is not  activated, and the less exposed one i is?
Answer: given my care with my phones, and the  example is my Nokia E71 from 2007, still in perfect working order, this sensor can only have been activated by the repairer.

This is why I refused to  accept the diagnosis, and returned the phone to Dell. A phone that cost s €349.00 shouldn’t work for just a year and  then breakdown. It‘is unacceptable that large firms like Dell abuse their customers in this way.

Hey Dell, do me a favor: comply with the warranty and give me back the phone in working order. In fact almost everything works, just not the in-ear speaker and headphone connector.

Dell, please honor the warranty and fix my phone. I want the phone working and I don’t want any excuses about moisture. DO NOT DECEIVE ME! BE HONEST!

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Como a Dell engana os clientes

No dia 9 de Maio de 2011 comprei na FNAC online um Dell Streak 5. Não é um aparelho muito conhecido. É um híbrido de tablet e telefone, de 5 polegadas com Android, como se pode ver na imagem abaixo.

Dell Streak mini 5
Imagem retirada de http://ucphone.blogspot.pt/2011/01/dell-streak-mini-5.html

Houve vários fatores que me fizeram decidir por este aparelho. Um dos mais importantes foi o seu tamanho, as 5 polegadas. Trata-se de um telefone grande e de um tablet pequeno. Para mim foi optar por um telefone grande. Como já tenho alguma dificuldade em ver ao perto um ecrã de 5 polegadas foi um alívio. E, depois de 4 anos, deixei o meu Nokia E71, a funcionar lindamente, como telefone de backup. Ainda bem, porque neste momento é o que estou a utilizar.

Mas a história do incumprimento da Dell começa no passado dia 8 de Maio de 2012. Até esta data não tinha tido qualquer problema com o aparelho. Usava-o diariamente como telefone, para verificar o meu email e ler notícias. Perfeito como ferramenta do meu dia a dia. A 7 de Maio recebo um telefonema da minha Mãe e não oiço nada do que diz. Ponho o auricular e nada. Aciono o alta-voz e finalmente consigo ouvir. Descobri que ela me ouvia mas eu não, só em alta-voz.

Como o telefone estava na garantia liguei para a FNAC online e disseram-me para me dirigir a uma loja para resolver o problema.

Assim foi. Na 3ª feira dia 8 de Maio fui à FNAC do Chiado e entreguei o telefone. Levei a caixa e todos os acessórios. Na FNAC receberam o equipamento mas ficaram apenas com o corpo. Não ficaram nem com a tampa, nem com o cartão micro-sd e nem com a bateria. Disseram-me que era esse o procedimento.

Ontem recebo SMS da FNAC dizendo “A reparação nº 220512 encontra-se para levantamento. Sem reparação. Economicamente inviável….”

Ao receber a mensagem pensei: “o quê? O aparelho funciona. Apenas não oiço nem pelo altifalante de ouvido nem por auscultador e não tem reparação?” E lá fui ver o que se passou. Qual a minha surpresa quando recebo o diagnóstico da Dell:

Dizem que o meu equipamento tem humidade e que por isso perdeu a garantia. Senti-me enganado. Eu nem sequer entro na casa de banho com o telefone e dizem-me que está com humidade. Só se for pela humidade de Lisboa. E mandam a foto abaixo a mostrar os sensores de humidade ativos:

 

Recusei receber o telefone e devolvi dizendo que não aceitava tal diagnóstico e que os sensores só ficaram ativos ou no transporte ou nas instalações da Dell, já que tenho muito cuidado com este elemento. A FNAC devolveu o equipamento à Dell e vamos ver o que acontece.

Entretanto, porque não tirei nenhuma foto do telefone antes de enviá-lo (ia lá pensar que seria necessário), fui à internet obter imagens e vídeos de interiores e o que descobri é que os sensores estão idênticos aos meus:

 

Como é fácil de perceber nas duas fotos anteriores o sensor de humidade, mais abaixo, que é o que fica debaixo da bateria e por isso está mais exposto estão exatamente iguais. Este sensor pode ser visto sem qualquer ferramenta. Basta abrir a tampa traseira e remover a bateria. Está por isso muito mais exposto ao tempo que o segundo, mais acima, que só pode ser visto se o telefone for desmontado e por isso pode ser manipulado por quem não quer prestar garantias.

Aparentemente pela foto será esse o sensor que está ativado, o mais difícil de aceder e por isso menos sujeito aos fatores climáticos. É também aquele que nós consumidores não podemos controlar e por isso o mais fácil de manipular por quem não quer cumprir uma garantia.

Pergunto: como é que o sensor mais exposto não está ativado e o menos está? Respondo: tendo eu cuidado com os meus telefones, e o exemplo é o meu Nokia E71 de 2007 estar em perfeito funcionamento, só pode ter sido ativado pelo reparador.

Por isso não aceito o diagnóstico e espero que me devolvam o telefone a funcionar. Um telefone que custou € 349,00 não pode funcionar por um ano e depois simplesmente ir para o lixo. Não é admissível que grandes empresas como a Dell abusem dos consumidores.

Façam o favor de cumprir o contrato de garantia e devolver-me o telefone a funcionar. Aliás funciona quase tudo, apenas não oiço quando o tenho no ouvido e quando uso os headfones.

Dell faça o favor de cumprir a garantia e concertar-me o telefone. Quero o telefone a funcionar e não me venham com desculpas de humidade. NÃO ME ENGANEM! SEJAM HONESTOS!

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O Novo Mundo Multipolar é uma oportunidade para Portugal

Nesta primeira década do século XXI o mundo mudou de forma radical. A mudança é visível e percetível por todos. Mas a dimensão da mudança não é. E muito provavelmente quase não se pensa neste tema. Mas a verdade é que a dimensão da mudança é gigantesca e as implicações na nossa qualidade de vida e na forma como o mundo se organiza são enormes.

O significado dos BRIC
BRIC é o acrónimo para Brasil, Rússia, India e China. É fácil de perceber que estes países pouco têm em comum entre si. No entanto o acrónimo faz sentido do ponto de vista económico, pois é nestes países que reside o crescimento económico mundial.

É isso mesmo. Nestes 12 anos iniciais do século XXI são estes e outros países em desenvolvimento, uns mais do que outros, que têm sustentado o crescimento económico, não o dito primeiro mundo, Europa, EUA e Japão. Este crescimento tem uma causa muito concreta. Os consumidores destes países ambicionam ter o mesmo padrão de vida que europeus, americanos e japoneses. Querem ter uma casa, querem ter um laptop, querem ter um carro, querem ter uma casa de férias, querem ter um iPhone, querem viajar, querem conhecer outras culturas, querem vestir roupa de marca, querem, querem, querem…

Inicialmente os governos e as empresas europeias e americanas perceberam esta avidez consumista como uma oportunidade de exportar produtos e serviços e aumentarem assim a base de clientes de forma rápida e consistente.

Passada esta fase de euforia inicial começa-se a perceber que há outras implicações bem mais profundas. É fácil de perceber a importância que as moedas, principalmente da China e do Brasil, começam a ter na economia mundial. E também é fácil de perceber que o dólar e o euro estão claramente a perder importância, o que é fácil de explicar, já que as empresas europeias e americanas usaram euros e dólares para investir no Brasil e na China. Como tiveram que comprar moeda local com euros e dólares então essa procura fez com que essas moedas se valorizassem face ao euro e ao dólar. Mas esta é só uma das componentes que justifica o aumento de importância do real (Brasil) e do yuan (China). Há muitas outras e o saldo positivo do comércio exterior é outro componente importante.

Mas as semelhanças entre estes mercados acabam aqui. Cada um destes países é bastante diferente dos outros. Tem mercados de consumo muito distintos, ambientes regulatórios completamente diferentes, hábitos de vida o mais diferente possível e sociedades muito diferentes. Isto é, cada um destes países é único no seu contexto social, cultural, legal e económico. E são estas enormes diferenças que configuram a nova realidade de um mundo multipolar, com vários centros.

O Novo Mundo Multipolar
Utilizei o conceito BRIC apenas para relevar este conceito. No entanto este deve ser aplicado a muitos mais países, como a Coreia do Sul, a Tailândia e todas as economias asiáticas que estão em franco crescimento.

O conceito de mundo multipolar do século XXI é a grande rutura com o século XX. Esta é a grande mudança que está em marcha e que ainda não interiorizamos. Já não há um centro do mundo, que associamos ao eixo Europa-EUA. O mundo atual tem muitos centros. E cada centro é muito específico. Com muitas particularidades.

Esta multitude de contextos é claramente uma oportunidade para a flexibilidade e a capacidade de adaptação da nossa cultura. E é um problema, uma barreira, para culturas muito rígidas e com pouca capacidade de adaptação. Para grandes empresas multinacionais com sedes importantes no país de origem. De onde emanam todas as regras e onde se tenta homogeneizar todos os comportamentos, pouco importando o contexto de cada negócio. Cujo fator económico de ganhos de produtividade é a escala.

Ora nós não temos tais estruturas. Não temos tais empresas. A nossa história mostra que convivemos muito bem com a diversidade de raças, credos e costumes. Afinal uma das nossas grandes qualidades é o “desenrascanço”. Basta lembrarmo-nos que em cada caravela holandesa havia sempre um português, que era aquele indivíduo que em situações críticas resolvia os problemas que as mentes estruturadas e previsíveis dos holandeses não conseguiam resolver.

Esta nossa flexibilidade permite-nos em países tão diferentes como o Brasil, a China, a Tailândia, etc., incorporar os talentos locais, associarmo-nos e misturarmo-nos com os empresários locais, entendermos a burocracia local, pois a nossa própria complexidade burocrática dá-nos capacidades que naturais de países de baixa complexidade burocrática não têm.

Trata-se realmente de uma oportunidade para nós. Num mundo multipolar as sedes e a gestão centralizada deixa de fazer sentido. Face à multitude de contextos é impossível haver processos de gestão centrais que funcionem em vários pólos. As culturas locais não o vão permitir.

Imagine-se dizer isto ao conselho de administração de uma empresa multinacional que passou os últimos anos a investir pesadamente em ferramentas informáticas para padronizar a gestão nas várias operações? É muito difícil de aceitar. Afinal investiram-se uns bons milhões para acabar com as diferenças. Mas mais tarde ou cedo vão descobrir que não funciona muito bem, ou não funciona de todo. Algumas operações, deixam de usar os sistemas, ou pior, enganam os sistemas, para fazer face à realidade do contexto local. E tomam decisões que a sede não tomaria, até porque não entende bem o contexto. Isto pressupondo boa fé da gestão local.

Num mundo multipolar configura-se a fragmentação da gestão. Provavelmente as sedes de multinacionais, num futuro próximo, nem mais farão sentido. As multinacionais vão necessitar de organizações mais flexíveis. Talvez passem a ser federações, com vários centros de decisão adequados a cada contexto.

Ora até que cada gigante destes consiga dar este “golpe de rins” levará tempo. É nesse tempo que nós, portugueses, podemos ocupar os espaços económicos em que somos competentes antes que os gigantes se reestruturem e percebam como devem funcionar. E temos que ser rápidos. A dita vantagem dos primeiros em mercados de rápido crescimento económico é muito importante porque permite ganhar distâncias e consolidar posições que depois só com muito investimento será possível. E esse claramente não é o nosso ponto forte. Não temos muito dinheiro para investir.

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Pequenos mas Notáveis

Nós Portugueses temos sido sempre, desde D. Afonso Henriques, pequenos. Começamos com um pequeno condado, depois de uma briga familiar em que o filho tomou à mãe a governação do mesmo e não mais paramos.

Esse senhor, o pai da nossa Nação, veio por aí abaixo e foi, com mais ou menos ajuda, conquistando o território então à grande nação árabe que detinha todo o sul da Península Ibérica. Um feito notável.

Mais uns reinados e consolidamos o território continental. Então, já sem grandes preocupações com o território, tínhamos duas opções para sair da miséria em que estávamos. Ou íamos em direção a Castela ou fazíamo-nos ao mar. Provavelmente chegámos à conclusão de que “Ir em direção a Castela é complicado, eles são grandes, têm um exército maior, mais população. Do outro lado temos este mar imenso, desconhecido e que não é de ninguém. Se o conquistarmos será nosso. E não temos que lutar com qualquer exército. Vamos lá a isso!”

Se até ao início do ciclo dos descobrimentos já tínhamos sido notáveis, por termos inventado um território, um país e uma nação, nos descobrimentos tivemos a coragem de nos agigantarmos e fomos descobrir outros mundos. E acrescentamos mundos ao mundo. A Terra, que era pequena, ficou enorme. Inventámos uma nova Terra. Éramos apenas meia dúzia quando comparados a outros reinos europeus. Éramos tão poucos, tão poucos, que o número de habitantes era um segredo de estado, conhecido apenas por alguns.

Sendo pequenos criamos um reino enorme. Era tão grande que é admirável como resistimos quase 500 anos com tantos territórios e tão pouca população que éramos. Só é possível manter tanto território junto com técnicas de gestão, tecnologias, processos de comunicação e propaganda, que os que nos cobiçavam respeitavam e temiam. Mais uma vez fomos notáveis.

Historicamente estamos novamente num momento em que devemos ter a coragem de ser notáveis. Temos que fazer, como nação, o que fizemos na época dos descobrimentos. Éramos poucos, mas juntamo-nos todos, governo, academia, empreendedores e população. Ao unirmos forças fomos notáveis, fomos os melhores, os mais espertos, os mais rápidos, os mais atrativos, fomos invencíveis. Quando estes quatro setores da sociedade se unem num mesmo objetivo, nada nos pode parar.

Mas como fazemos isto? Como podemos todos trabalhar na mesma direção? Nos descobrimentos tínhamos um propósito comum, ganhar o mar, expandir o território e sermos uma grande nação. Unimo-nos todos nessa direção porque as lideranças políticas acreditaram que Portugal poderia ser muito melhor se o fizéssemos. Essas lideranças convenceram as lideranças académicas, dos empreendedores e aglutinaram a população à volta deste desígnio. Formaram um “quadrado virtuoso de cooperação” em que todos os setores da sociedade ganharam. O bolo que era pequeno e mal dava para todos transformou-se num bolo enorme onde todos ganharam. E quando todos ganham crescemos como Nação.

É necessário definirmos um desígnio nacional. Para definirmos um desígnio nacional necessitamos de uma liderança visionária (não me entendam mal, não me refiro a uma só pessoa), que perceba para onde Portugal deva ir.

Garantidamente Portugal não deve ir para onde todos os outros vão. Como disse Lao-Tsé, não sigamos a multidão. Assim como nos descobrimentos, devemos definir um caminho próprio, que nos dê vantagens competitivas em relação aos outros. E no caminho que definirmos teremos que ser os melhores, os mais fortes, os mais rápidos, os mais duros, os mais atrativos, os mais… tudo.

Para sermos novamente notáveis, como é fácil de perceber, não podemos andar constantemente às turras uns com os outros nem fazer o que todos fazem. Basicamente não devemos fazer coisas deste tipo:

  • Nenhum governo, seja de que partido for, deve ser arrogante ao ponto de entender que só ele é que conhece o caminho;
  • Nenhuma oposição deve ser contra, apenas porque não é governo;
  • Nenhum político deve discordar do outro apenas porque não é do mesmo partido;
  • Nenhuma empresa deve pôr a ganância e o lucro acima de tudo, sobretudo da vida daqueles (os empregados) que têm contribuído para a obtenção dos ganhos obtidos;
  • Nenhum sindicato, ou grupo de sindicatos deve fazer greve apenas porque vai prejudicar as empresas sejam públicas ou privadas;
  • Nenhuma classe profissional deve por as suas prerrogativas profissionais acima do bem comum da sociedade;
  • Não devemos combater, devemos debater.

Para sermos notáveis temos que ter soluções diferentes das que implementamos nos últimos 38 anos. Como disse Einstein, repetir as mesmas soluções à espera de obter resultados diferentes não é ser inteligente. Temos que ter soluções que:

  • Não sejam medíocres, enfadonhas. Devem ser excelentes, alegres, motivadoras;
  • Não evitem riscos. Hoje em dia evitar correr riscos é mais arriscado do que correr o risco de inovar, de criar soluções extraordinárias. Não correr riscos significa não produzir resultados, não alcançar nada. Significa ficarmos no mesmo lugar, parados enquanto o mundo, na melhor das hipóteses, nos passa ao lado, pois muitas vezes passa-nos por cima;
  • Sejam duradoras, que se auto regulem, flexíveis e que sejam à prova de estupidez burocrática;
  • Sejam excelentes. Não basta serem boas ou muito boas. Hoje ser bom ou muito bom é uma banalidade. Temos que ser excelentes!

Para sermos notáveis só dependemos de nós. Não importa quão pequenos somos. Vamos a isso?

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As Portas do Funchal

Por me falarem tanto e tão bem da passagem de ano no Funchal resolvi concretizar esta ideia nesta última passagem de ano. Realmente foram 4 dias ótimos e bem passados.

Mas não são esses dias que me levaram a este artigo. O que me leva a falar foi a pequena surpresa que tive com a parte velha da cidade, junto ao forte. Procurando um restaurante típico para jantar, deparamo-nos com uma surpresa. As portas pintadas das casas desta parte velha do Funchal. São um pequeno e notável tesouro escondido e pouco falado.

Não estava preparado para o que vi. Mas não me fiz rogado. Puxei da máquina e comecei a fotografar. Apesar das limitações de luz e da própria máquina obtive 32 fotos interessantes que partilho. Foi uma excelente surpresa ver este trabalho comunitário.

Se forem ao Funchal e gostarem e ver uma implementação de uma boa ideia de arte comunitária, não deixem de visitar esta parte da cidade (mapa).

Aqui ficam as três de que mais gosto. Os nomes das fotos são meus e não comprometem os autores:

A porta da dama

A porta da dama

A porta da "caverna"

A porta da “caverna”

A porta das mil caras

A porta das mil caras.
Detalhe de uma porta toda esculpida com um número enorme de caras.

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Absurdos Camarários em Lisboa

Passadeira que acaba no muro

Andar pela cidade de Lisboa é sempre emocionante. Nunca sabemos o que vamos encontrar. Eis aqui uma prova da inteligência da CML. Uma passadeira que acaba num muro, ali para os lados da Av. Paris.

Devem ter pensado muito e como tinham mesmo que fazer a passadeira lá a pintaram contra o muro. Um pequeno desperdício de tinta e tempo dos contribuintes.

Não será legítimo indignarmo-nos contra a má utilização dos nossos impostos? Deveria haver um dispositivo legal rápido onde, nós cidadãos, pudéssemos apresentar queixa contra as más decisões de gestão dos governos municipais e central. E contra provas deste tipo, inequívocas o processo deveria ser sumaríssimo. Era ir para a rua sem qualquer tipo de indemnização e assunto encerrado.

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Os Políticos e os Debates

Como cidadão normal fico incomodado quando vejo os debates na Assembleia da República. Infelizmente percebo, e acredito que muitos concidadãos também, que não há, por parte de nenhum dos deputados, vontade de efetuar qualquer debate. O que se passa é um combate e não um debate. A confirmá-lo está o uso generalizado pela classe política da expressão “combate político”.

A expressão “combate político” define com precisão o que os nossos políticos fazem. Andam ao “estalo” verbal uns com os outros. Não procuram a luz, não procuram a inteligência coletiva que, com maior probabilidade, levaria este país por melhores caminhos. Não, estão a combater e quando se combate não se debate. O combate pressupõe a existência de um inimigo, a luta pela vitória com a consequente rendição ou aniquilação do perdedor.

Esta aproximação da política é danosa para nós e para o país. Da esquerda à direita, ninguém está à procura de soluções para os problemas. Estão à procura de ganhar os combates. E isso não é política, é guerra. É isso, estamos em plena guerra civil verbal, à procura de vitórias e não à procura da luz, da inteligência que proporcione a melhor solução para os problemas do País.

Um debate é algo completamente diferente. Num debate não se procura simplesmente atacar o outro só porque não estamos do mesmo lado. O modelo do debate não é o modelo do combate. No combate se alguém diz algo a outra parte tem que contradizer. Há uma procura pelo conflito e não por uma solução. É uma arena onde se trocam insultos. Já num debate:

• Queremos genuinamente compreender o problema;
• Não queremos derrotar a outra parte;
• Queremos chegar à verdade;
• Estamos (todas as partes envolvidas) à procura de soluções;
• E todas as partes ficarão felizes quando se chega à solução;
• É um jogo onde todos ganham, não é um jogo de soma zero;
• Só há vencedores!

Pergunto: quando é que os nossos políticos se dedicarão a debater em vez de combater?

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Ensinamos o Ontem quando deveríamos ensinar o Amanhã

Num momento de crise como este, torna-se claro que a capacidade de enfrentar os desafios futuros é um importante contributo que podemos dar aos nossos filhos.

Quando olhamos para as nossas escolas, para o nosso sistema de ensino vemos outra crise. Discute-se muito. Basicamente está-se num processo em que o Ministério da Educação faz reformas, os professores contestam e ninguém se entende. O que parece certo é que, os principais interessados, os clientes – os alunos, são os que não conseguem ter qualquer voz ativa, apesar do esforço das associações de pais.

E qual é o verdadeiro problema? O verdadeiro problema é estarmos a preparar os nossos filhos para o Ontem, em vez de os preparar Amanhã. As escolas não produzem o que deveriam produzir: pessoas preparadas para enfrentar o futuro, a economia do conhecimento, o Amanhã. O atual processo de ensino está obsoleto porque ainda não evoluiu da produção industrial em lote (salas de aula), repetitiva e em velocidade constante (o Ontem), para o processo digital, interativo, explorando as ferramentas de comunicação disponíveis. Ferramentas adequadas para a economia do conhecimento, o Amanhã.

Não vivemos mais na economia industrial. O paradigma de produção em massa, indiferenciada, a preços unitários baixos ainda existe mas já não faz a diferença. É o Ontem. O que faz a diferença, o que tem valor, é produzir produtos e serviços únicos. E produzir algo adequado a um consumidor específico, ou a um pequeno grupo. Essa é a economia do conhecimento. O Amanhã. O que vale é o conhecimento escasso, que permite produzir uma música única, um par de calças à medida, um computador à medida, um carro à medida. Ou produtos de conhecimento como os motores de busca, ou a enciclopédias como a Wikipedia. E essa é a economia das ideias, do conhecimento. É para essa economia, o Amanhã, que devemos preparar os nossos filhos e não estamos a fazê-lo.

Neste raciocínio a pergunta que se coloca é “então que edução é essa, interativa?” Creio que ninguém ainda sabe responder a essa questão, mas já há ferramentas que permitem o aprendizado à velocidade adequada a cada aluno em particular, que permitem explorar o conjunto de interesses de cada um, que dão liberdade criativa e que, fundamentalmente (muito importante), dão resposta imediata ao desempenho obtido o que permite três coisas:

  • Repetir o aprendizado para resolver as lacunas encontradas;
  • Comparação imediata com os pares;
  • Conhecimento imediato do resultado alcançado.

A resposta imediata à aprendizagem é extremamente motivador. Imagine uma aula clássica de matemática. O professor está no quadro a “debitar” matéria, a fazer exemplos. Haverá pelo menos 3 tipos de alunos:

  • Os que têm tanta facilidade em entender o que o professor diz que em pouco tempo ficam entediados pela perda de tempo;
  • Os que têm a velocidade de aprendizado idêntica à velocidade de explicação do professor e por isso serão os mais motivados;
  • Os que têm uma velocidade de aprendizado inferior e que de todo não acompanham, por mais esforço que façam. Desmotivam-se porque vêm a matéria como algo impossível de alcançar.

Numa sala de aula com 30 alunos teremos, provavelmente, mais tipos de alunos. Haverá aqueles que olham para a matéria, qual ela seja, e perguntam-se “para quê que isto serve?” e “quando na vida vou utilizar isto?”.

Mas voltemos ao exemplo da matemática. Qual é a alternativa? Há várias alternativas. Por exemplo podemos ter uma aula de matemática gravada (ver Khan Academy: www.khanacademy.org). Se está gravada pode ser vista repetidamente. Quem não entende à primeira pode fazer a aula novamente. Por outro lado as aulas são curtas. No máximo 15 minutos. O suficiente para se aprender um tópico e sem distrações, sem perda de atenção.

Outra alternativa é jogar um vídeo game. Podemos ter vídeo games que ensinem matemática, química, história, etc. Os vídeo games têm uma grande vantagem. São sedutores, motivadores. E são-no porque dão resposta imediata sobre o desempenho obtido, pois obtém-se uma pontuação e compara-se com uma multidão anónima que já jogou o mesmo jogo. Também motiva porque é possível progredir pelos vários estágios. Não seria mais fácil e motivador ensinar matemática aos nossos filhos se em vez de estarem nas aulas estivessem a aprender jogando vídeo games?

Os dois exemplos dados mostram um caminho alternativo. O caminho da interatividade. O caminho que tem como pressuposto, fazer, errar, corrigir. Um caminho em que se percebe os progressos de imediato. Um caminho em que se aprende a arriscar, mesmo que haja insucesso, pois sempre poderemos repetir a experiência. Um caminho que obriga ao raciocínio para que se tente soluções distintas, que estimula a inovação.

Se queremos que os nossos filhos enfrentem o futuro não os podemos preparar para o mundo de Ontem, a economia industrial. Temos que os preparar para o mundo do Amanhã, a economia do conhecimento. O bilhete de entrada para a economia do conhecimento é a capacidade de aprender rápido e sempre.

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As gravadoras, os direitos de autor e os SOPA da vida

A indústria da música está em profunda transformação. Esta transformação deve-se a um fator fundamental, a revolução tecnológica proporcionada pela digitalização.

Quando apareceu, a digitalização foi percebida pela indústria da música como uma nova ferramenta que vinha baixar os custos de produção, facilitar o processo produtivo e oferecer um novo produto de qualidade inigualável, o CD. Este perceção assumia que nada na indústria mudaria à exceção do próprio processo produtivo. Os líderes das gravadoras olhavam para a digitalização e só viam dólares e mais dólares pois:

  • O mercado crescia consistentemente todos os anos depois da 2ª Guerra Mundial, impulsionado pela geração baby boomer;
  • A procura era facilmente manipulada pelas gravadoras através de grandes investimentos a aliciar as estações de rádios e televisão, culminando com a criação de uma estação de TV só para divulgar a música, a MTV;
  • A indústria de equipamentos áudio produzia cada vez mais equipamentos, com maior qualidade e cada vez mais acessíveis aos consumidores, o que aumentava o mercado audiófilo todos os anos;
  • Os festivais e concertos de música ao vivo eram grandes indutores ao consumo de música em todo o mundo, já que criavam procura adicional por todos aqueles que não tinham a oportunidade de consumir estes festivais, isto é, a grande maioria dos consumidores.

Enfim, um mercado bilionário, em que as gravadores eram omnipotentes e onde os consumidores eram apenas gado que estas empresas ordenhavam quando e quanto queriam.

Esta sensação de omnipotência era reforçada pelas leis dos direitos de autor vigentes em todo o mundo. Nestes tempos a cópia era feita para fitas cassete que se usavam nos veículos para se ouvir a música comprada e nunca tinham a qualidade do original, principalmente depois da indústria ter adotado a digitalização, quando iniciou a comercialização dos CDs.

Esta talvez tenha sido a época de maior rentabilidade para toda a indústria áudio. Os álbuns nunca tinham sido tão caros, justificado pela qualidade das gravações, o que levou os lucros das gravadoras a recordes históricos. Por outro lado os fabricantes de equipamentos também obtiveram rentabilidades obscenas, pois os consumidores tiveram que trocar todos os seus equipamentos por outros novos, que por serem novidade tinham custos altíssimos. Finamente os músicos, que eram o elo mais fraco desta indústria, à exceção de alguns poucos, foram os que menos ou nada ganharam. Os consumidores esses foram os que pagaram tudo.

Um mercado nestas condições, não pode durar indefinidamente. Mas os dirigentes das gravadores tão embriagados com o seu sucesso empresarial, estavam tão perto do céu que não perceberam que a digitalização não significava apenas aumentos de rentabilidade no curto prazo, mas também era a semente da sua desgraça futura, pois o poder na indústria ia passar para os músicos e para os consumidores.

E então a digitalização alargou-se. Com o advento da internet estendeu-se do processo produtivo para a distribuição e para o consumo. Fez com que os consumidores fizessem algumas perguntas simples:

  • Porquê que vou comprar um CD com 10 músicas se só quero a quinta?
  • Porque que preciso de ter um CD, que é caro, ocupa espaço e é difícil de comprar (deslocação física, ausência de stock)?

Estas perguntas derrotaram o modelo de negócio das gravadores, que é obrigar o consumidor a comprar o que não quer e no controlo apertado dos canais de distribuição, gerindo a escassez, que é de onde o valor vem.

Com os consumidores no poder por um lado, e com os músicos a produzirem a distribuírem as suas músicas por outro, os dirigentes das gravadores estão completamente desorientados. Ao verem as receitas e a rentabilidade do negócio a cair vertiginosamente já não sabem o que fazer. Não conseguem perceber qual o novo modelo de negócio:

  • Já não conseguem dominar os músicos como o faziam no passado;
  • Já não conseguem dominar os canais de distribuição;
  • Já não têm o oligopólio dos estúdios de gravação, pois é possível com investimento baixo produzir-se gravações de boa qualidade.

Então interrogam-se:

  • O que podemos fazer?
  • Como podemos voltar aos bons e velhos tempos?
  • Temos que fazer algo. O quê? Leis, mais leis. Temos que impor leis de direitos autorais no mundo todo, nem que para isso tenhamos que espiar dentro de cada computador deste mundo.

E então produziram leis ou projetos de lei como o SOPA, o PIPA, o PIPEDA , o ACTA e o PL118 em Portugal. Esqueceram-se de uma coisa muito simples e elementar. É que a proteção contra cópia na era digital É UM SONHO. Ou como diz Cory Doctorow, controlo de direitos de autor nos computadores são rootkits. E isto significa invasão da privacidade, significa perda de controlo para terceiros de um equipamento nosso. Isto é censura. É o equivalente à violação da correspondência e às escutas telefónicas sem mandato. É simplesmente inaceitável.

Ou seja, a indústria vê a sua salvação através de leis injustas. Imaginam que o que podem fazer é infernizar a vida dos seus clientes. Que gente é esta que entende como solução para os seus problemas maltratar os clientes? É a mesma que estava habituada a extrair o lucros fabulosos do outrora gado manso.

O que me leva a perguntar:

  • É isto estratégia de negócio aceitável?
  • Alguém em sã consciência pensa que pode sobreviver a longo prazo maltratando os clientes?
  • Acreditam mesmo que isto é a solução dos problemas?
  • São estes os empresários competentes da indústria do entretenimento?

Não, isto são empresários incompetentes, sem qualquer ideia do que fazer, preguiçosos e ávidos para voltar ao antigo status quo em que eram omnipotentes. Gente incapaz de se adaptar ao novo contexto, enfim dinossauros em vias de extinção.

O que me leva a outra pergunta, agora a todos os políticos de todos os países que se envolvem nesta contenda:

  • É esta gente incompetente no novo contexto de negócios que vocês políticos querem proteger?

A questão dos direitos de autor na era digital não é um problema das indústrias. É um problema dos autores. As indústrias estão em transformação e caminham para a extinção, mas os autores não. Nós consumidores temos é que proteger os autores. Temos que lhes comprar diretamente a produção.

A internet proporciona isso. Proporciona que se desenvolvam modelos de negócio baseado em fãs. Os autores terão os seus fãs, interagem com eles e vendem a esses fãs. Não precisam das indústrias para o fazerem. Precisam é do Facebook, do Twitter, do Google+, de plataformas onde podem comunicar o seu trabalho e onde o possam interagir e comercializar a preços justos a sua produção, retirando da equação a incompetência das gravadoras.

A estratégia para os autores é simples. Manter custos baixos e fazer chegar a sua produção a esse enorme mundo que é a internet. Já não necessitam de estar confinados a um país, podem vender para o mundo todo, ao mesmo tempo. A internet proporciona a ubiquidade necessária. Porquê vender apenas para um mercado específico se podem vender para todo o mundo ao mesmo tempo? Esqueçam as gravadoras que apenas se apropriam do vosso valor.

As gravadoras que vão sobreviver serão aquelas que forem competentes a criar interação e diálogos entre autores e consumidores. No contexto atual pouco mais lhes resta. Ou aprendem a gerir o negócio neste novo contexto ou extinguem-se. O iTunes e as outras lojas digitais online, são apenas o prenúncio desta transformação que pode ir até à extinção. E não há nenhuma indústria que desapareça de um dia para outro. Estamos há pelo menos 10 anos neste processo e as gravadores ainda não perceberam o novo modelo de negócio.

Todas estas questões são válidas para qualquer indústria que utilize meios digitais de produção e distribuição, como a indústria dos livros e do cinema. Têm todas que perceber o que fazer neste novo contexto.

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