A indústria da música está em profunda transformação. Esta transformação deve-se a um fator fundamental, a revolução tecnológica proporcionada pela digitalização.
Quando apareceu, a digitalização foi percebida pela indústria da música como uma nova ferramenta que vinha baixar os custos de produção, facilitar o processo produtivo e oferecer um novo produto de qualidade inigualável, o CD. Este perceção assumia que nada na indústria mudaria à exceção do próprio processo produtivo. Os líderes das gravadoras olhavam para a digitalização e só viam dólares e mais dólares pois:
- O mercado crescia consistentemente todos os anos depois da 2ª Guerra Mundial, impulsionado pela geração baby boomer;
- A procura era facilmente manipulada pelas gravadoras através de grandes investimentos a aliciar as estações de rádios e televisão, culminando com a criação de uma estação de TV só para divulgar a música, a MTV;
- A indústria de equipamentos áudio produzia cada vez mais equipamentos, com maior qualidade e cada vez mais acessíveis aos consumidores, o que aumentava o mercado audiófilo todos os anos;
- Os festivais e concertos de música ao vivo eram grandes indutores ao consumo de música em todo o mundo, já que criavam procura adicional por todos aqueles que não tinham a oportunidade de consumir estes festivais, isto é, a grande maioria dos consumidores.
Enfim, um mercado bilionário, em que as gravadores eram omnipotentes e onde os consumidores eram apenas gado que estas empresas ordenhavam quando e quanto queriam.
Esta sensação de omnipotência era reforçada pelas leis dos direitos de autor vigentes em todo o mundo. Nestes tempos a cópia era feita para fitas cassete que se usavam nos veículos para se ouvir a música comprada e nunca tinham a qualidade do original, principalmente depois da indústria ter adotado a digitalização, quando iniciou a comercialização dos CDs.
Esta talvez tenha sido a época de maior rentabilidade para toda a indústria áudio. Os álbuns nunca tinham sido tão caros, justificado pela qualidade das gravações, o que levou os lucros das gravadoras a recordes históricos. Por outro lado os fabricantes de equipamentos também obtiveram rentabilidades obscenas, pois os consumidores tiveram que trocar todos os seus equipamentos por outros novos, que por serem novidade tinham custos altíssimos. Finamente os músicos, que eram o elo mais fraco desta indústria, à exceção de alguns poucos, foram os que menos ou nada ganharam. Os consumidores esses foram os que pagaram tudo.
Um mercado nestas condições, não pode durar indefinidamente. Mas os dirigentes das gravadores tão embriagados com o seu sucesso empresarial, estavam tão perto do céu que não perceberam que a digitalização não significava apenas aumentos de rentabilidade no curto prazo, mas também era a semente da sua desgraça futura, pois o poder na indústria ia passar para os músicos e para os consumidores.
E então a digitalização alargou-se. Com o advento da internet estendeu-se do processo produtivo para a distribuição e para o consumo. Fez com que os consumidores fizessem algumas perguntas simples:
- Porquê que vou comprar um CD com 10 músicas se só quero a quinta?
- Porque que preciso de ter um CD, que é caro, ocupa espaço e é difícil de comprar (deslocação física, ausência de stock)?
Estas perguntas derrotaram o modelo de negócio das gravadores, que é obrigar o consumidor a comprar o que não quer e no controlo apertado dos canais de distribuição, gerindo a escassez, que é de onde o valor vem.
Com os consumidores no poder por um lado, e com os músicos a produzirem a distribuírem as suas músicas por outro, os dirigentes das gravadores estão completamente desorientados. Ao verem as receitas e a rentabilidade do negócio a cair vertiginosamente já não sabem o que fazer. Não conseguem perceber qual o novo modelo de negócio:
- Já não conseguem dominar os músicos como o faziam no passado;
- Já não conseguem dominar os canais de distribuição;
- Já não têm o oligopólio dos estúdios de gravação, pois é possível com investimento baixo produzir-se gravações de boa qualidade.
Então interrogam-se:
- O que podemos fazer?
- Como podemos voltar aos bons e velhos tempos?
- Temos que fazer algo. O quê? Leis, mais leis. Temos que impor leis de direitos autorais no mundo todo, nem que para isso tenhamos que espiar dentro de cada computador deste mundo.
E então produziram leis ou projetos de lei como o SOPA, o PIPA, o PIPEDA , o ACTA e o PL118 em Portugal. Esqueceram-se de uma coisa muito simples e elementar. É que a proteção contra cópia na era digital É UM SONHO. Ou como diz Cory Doctorow, controlo de direitos de autor nos computadores são rootkits. E isto significa invasão da privacidade, significa perda de controlo para terceiros de um equipamento nosso. Isto é censura. É o equivalente à violação da correspondência e às escutas telefónicas sem mandato. É simplesmente inaceitável.
Ou seja, a indústria vê a sua salvação através de leis injustas. Imaginam que o que podem fazer é infernizar a vida dos seus clientes. Que gente é esta que entende como solução para os seus problemas maltratar os clientes? É a mesma que estava habituada a extrair o lucros fabulosos do outrora gado manso.
O que me leva a perguntar:
- É isto estratégia de negócio aceitável?
- Alguém em sã consciência pensa que pode sobreviver a longo prazo maltratando os clientes?
- Acreditam mesmo que isto é a solução dos problemas?
- São estes os empresários competentes da indústria do entretenimento?
Não, isto são empresários incompetentes, sem qualquer ideia do que fazer, preguiçosos e ávidos para voltar ao antigo status quo em que eram omnipotentes. Gente incapaz de se adaptar ao novo contexto, enfim dinossauros em vias de extinção.
O que me leva a outra pergunta, agora a todos os políticos de todos os países que se envolvem nesta contenda:
- É esta gente incompetente no novo contexto de negócios que vocês políticos querem proteger?
A questão dos direitos de autor na era digital não é um problema das indústrias. É um problema dos autores. As indústrias estão em transformação e caminham para a extinção, mas os autores não. Nós consumidores temos é que proteger os autores. Temos que lhes comprar diretamente a produção.
A internet proporciona isso. Proporciona que se desenvolvam modelos de negócio baseado em fãs. Os autores terão os seus fãs, interagem com eles e vendem a esses fãs. Não precisam das indústrias para o fazerem. Precisam é do Facebook, do Twitter, do Google+, de plataformas onde podem comunicar o seu trabalho e onde o possam interagir e comercializar a preços justos a sua produção, retirando da equação a incompetência das gravadoras.
A estratégia para os autores é simples. Manter custos baixos e fazer chegar a sua produção a esse enorme mundo que é a internet. Já não necessitam de estar confinados a um país, podem vender para o mundo todo, ao mesmo tempo. A internet proporciona a ubiquidade necessária. Porquê vender apenas para um mercado específico se podem vender para todo o mundo ao mesmo tempo? Esqueçam as gravadoras que apenas se apropriam do vosso valor.
As gravadoras que vão sobreviver serão aquelas que forem competentes a criar interação e diálogos entre autores e consumidores. No contexto atual pouco mais lhes resta. Ou aprendem a gerir o negócio neste novo contexto ou extinguem-se. O iTunes e as outras lojas digitais online, são apenas o prenúncio desta transformação que pode ir até à extinção. E não há nenhuma indústria que desapareça de um dia para outro. Estamos há pelo menos 10 anos neste processo e as gravadores ainda não perceberam o novo modelo de negócio.
Todas estas questões são válidas para qualquer indústria que utilize meios digitais de produção e distribuição, como a indústria dos livros e do cinema. Têm todas que perceber o que fazer neste novo contexto.