Nesta primeira década do século XXI o mundo mudou de forma radical. A mudança é visível e percetível por todos. Mas a dimensão da mudança não é. E muito provavelmente quase não se pensa neste tema. Mas a verdade é que a dimensão da mudança é gigantesca e as implicações na nossa qualidade de vida e na forma como o mundo se organiza são enormes.
O significado dos BRIC
BRIC é o acrónimo para Brasil, Rússia, India e China. É fácil de perceber que estes países pouco têm em comum entre si. No entanto o acrónimo faz sentido do ponto de vista económico, pois é nestes países que reside o crescimento económico mundial.
É isso mesmo. Nestes 12 anos iniciais do século XXI são estes e outros países em desenvolvimento, uns mais do que outros, que têm sustentado o crescimento económico, não o dito primeiro mundo, Europa, EUA e Japão. Este crescimento tem uma causa muito concreta. Os consumidores destes países ambicionam ter o mesmo padrão de vida que europeus, americanos e japoneses. Querem ter uma casa, querem ter um laptop, querem ter um carro, querem ter uma casa de férias, querem ter um iPhone, querem viajar, querem conhecer outras culturas, querem vestir roupa de marca, querem, querem, querem…
Inicialmente os governos e as empresas europeias e americanas perceberam esta avidez consumista como uma oportunidade de exportar produtos e serviços e aumentarem assim a base de clientes de forma rápida e consistente.
Passada esta fase de euforia inicial começa-se a perceber que há outras implicações bem mais profundas. É fácil de perceber a importância que as moedas, principalmente da China e do Brasil, começam a ter na economia mundial. E também é fácil de perceber que o dólar e o euro estão claramente a perder importância, o que é fácil de explicar, já que as empresas europeias e americanas usaram euros e dólares para investir no Brasil e na China. Como tiveram que comprar moeda local com euros e dólares então essa procura fez com que essas moedas se valorizassem face ao euro e ao dólar. Mas esta é só uma das componentes que justifica o aumento de importância do real (Brasil) e do yuan (China). Há muitas outras e o saldo positivo do comércio exterior é outro componente importante.
Mas as semelhanças entre estes mercados acabam aqui. Cada um destes países é bastante diferente dos outros. Tem mercados de consumo muito distintos, ambientes regulatórios completamente diferentes, hábitos de vida o mais diferente possível e sociedades muito diferentes. Isto é, cada um destes países é único no seu contexto social, cultural, legal e económico. E são estas enormes diferenças que configuram a nova realidade de um mundo multipolar, com vários centros.
O Novo Mundo Multipolar
Utilizei o conceito BRIC apenas para relevar este conceito. No entanto este deve ser aplicado a muitos mais países, como a Coreia do Sul, a Tailândia e todas as economias asiáticas que estão em franco crescimento.
O conceito de mundo multipolar do século XXI é a grande rutura com o século XX. Esta é a grande mudança que está em marcha e que ainda não interiorizamos. Já não há um centro do mundo, que associamos ao eixo Europa-EUA. O mundo atual tem muitos centros. E cada centro é muito específico. Com muitas particularidades.
Esta multitude de contextos é claramente uma oportunidade para a flexibilidade e a capacidade de adaptação da nossa cultura. E é um problema, uma barreira, para culturas muito rígidas e com pouca capacidade de adaptação. Para grandes empresas multinacionais com sedes importantes no país de origem. De onde emanam todas as regras e onde se tenta homogeneizar todos os comportamentos, pouco importando o contexto de cada negócio. Cujo fator económico de ganhos de produtividade é a escala.
Ora nós não temos tais estruturas. Não temos tais empresas. A nossa história mostra que convivemos muito bem com a diversidade de raças, credos e costumes. Afinal uma das nossas grandes qualidades é o “desenrascanço”. Basta lembrarmo-nos que em cada caravela holandesa havia sempre um português, que era aquele indivíduo que em situações críticas resolvia os problemas que as mentes estruturadas e previsíveis dos holandeses não conseguiam resolver.
Esta nossa flexibilidade permite-nos em países tão diferentes como o Brasil, a China, a Tailândia, etc., incorporar os talentos locais, associarmo-nos e misturarmo-nos com os empresários locais, entendermos a burocracia local, pois a nossa própria complexidade burocrática dá-nos capacidades que naturais de países de baixa complexidade burocrática não têm.
Trata-se realmente de uma oportunidade para nós. Num mundo multipolar as sedes e a gestão centralizada deixa de fazer sentido. Face à multitude de contextos é impossível haver processos de gestão centrais que funcionem em vários pólos. As culturas locais não o vão permitir.
Imagine-se dizer isto ao conselho de administração de uma empresa multinacional que passou os últimos anos a investir pesadamente em ferramentas informáticas para padronizar a gestão nas várias operações? É muito difícil de aceitar. Afinal investiram-se uns bons milhões para acabar com as diferenças. Mas mais tarde ou cedo vão descobrir que não funciona muito bem, ou não funciona de todo. Algumas operações, deixam de usar os sistemas, ou pior, enganam os sistemas, para fazer face à realidade do contexto local. E tomam decisões que a sede não tomaria, até porque não entende bem o contexto. Isto pressupondo boa fé da gestão local.
Num mundo multipolar configura-se a fragmentação da gestão. Provavelmente as sedes de multinacionais, num futuro próximo, nem mais farão sentido. As multinacionais vão necessitar de organizações mais flexíveis. Talvez passem a ser federações, com vários centros de decisão adequados a cada contexto.
Ora até que cada gigante destes consiga dar este “golpe de rins” levará tempo. É nesse tempo que nós, portugueses, podemos ocupar os espaços económicos em que somos competentes antes que os gigantes se reestruturem e percebam como devem funcionar. E temos que ser rápidos. A dita vantagem dos primeiros em mercados de rápido crescimento económico é muito importante porque permite ganhar distâncias e consolidar posições que depois só com muito investimento será possível. E esse claramente não é o nosso ponto forte. Não temos muito dinheiro para investir.